A militarização das escolas: avanço ou retrocesso?

Vitoria Silva
4 min readDec 5, 2020

Proposta do governador do DF tem causado opiniões controversas em meio à população brasileira

*Reportagem produzida em Maio de 2019

(foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)

No Distrito Federal, o ano de 2019 começou de uma forma diferente para alguns estudantes: quatro escolas públicas passaram a ter policiais militares orientando as atividades escolares. Isso é consequência do projeto de lei proposto pelo atual governador do estado, Ibaneis Rocha (MDB), que regulamenta e expande a militarização das escolas públicas. A iniciativa gerou grande repercussão no território nacional, diante da possibilidade dessa intervenção militar se tornar uma tendência ao redor do país, retomando um debate já existente.

De início, é importante ressaltar a diferença existente entre os termos “escola militar” e “escola militarizada”. Enquanto escolas militares tem como único objetivo a formação do profissional policial militar ou das Forças Armadas, as escolas militarizadas consistem em ter a polícia na gestão e administração desta.

Este processo de militarização causa mudanças consideráveis no âmbito escolar, a começar pela aplicação dos pilares da Polícia Militar na educação básica, considerados essenciais na construção do saber e na contribuição para disciplina em sala de aula. A grade escolar também sofre suas alterações: o currículo do Ministério da Educação (MEC) é mantido mas são adicionadas aulas de cidadania, educação física militar, ordem unida, prevenção às drogas e Constituição Federal, por exemplo.

O principal ponto de defesa do projeto é a redução da criminalidade, em função do alto índice em estados como Goiás. Esse mesmo propósito motivou a intervenção militar no Colégio Waldocke Fricke de Lyra, em 2012. Localizado em uma das regiões mais violentas de Manaus, após frequentes registros de brigas, furtos e trânsito livre de armas brancas, o governo solicitou que a administração passasse para as mãos da PM. Com isso, normas extremamente rígidas foram instauradas e seguidas de resultados positivos em relação à qualidade de ensino: o colégio, que por muito tempo permaneceu nas últimas posições em relação ao IDEB (Índice de Desempenho da Educação Básica), teve uma evolução considerável, passando a atingir, em 2015, média 7,7 do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, e de 5,9 do 6º ao 9º ano, tendo a média nacional nessas etapas como 5,5 e 4,5, respectivamente .

Porém, não é possível estipular que há necessariamente uma relação entre a militarização e a melhoria no ensino. Ezequiel Martins, professor de Filosofia formado pela PUC-Campinas afirma que “Este processo me parece uma falsa solução para um problema que realmente existe: a questão da disciplina em sala de aula, especialmente de escolas em regiões carentes. Por que uma falsa solução? Ora, porque de cara elas receberão um investimento muito maior em estrutura e quadros para se adequarem, o que muito provavelmente implicará em uma melhora”. Ele também questiona “Se estas escolas, do jeito que são hoje, apenas recebessem um investimento bem maior em estrutura e quadros, será que elas já não melhorariam igualmente? E se a resposta for positiva, então por que militariza-lás?”.

Essa ênfase na questão disciplinar como solução para todos os problemas “(…) colide com outras qualidades necessárias a inúmeras outras carreiras no século XXI, como: criatividade, capacidade de mudança e de se reinventar em um mundo que se transforma a uma velocidade vertiginosa”, destaca Ezequiel. Além disso, remete à uma série de normas escolares comumente instauradas em um passado não muito distante, após a ditadura militar, quando ainda eram ministradas aulas de Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política Brasileira.

O pressentimento dessa retomada de costumes vir a ser uma realidade em larga escala no Brasil se deve, em grande parte, ao atual governo. Isso em função do presidente Jair Bolsonaro (PSL) já ter demonstrado em diversas ocasiões defender a militarização como uma solução para os atuais problemas nas escolas brasileiras, tendo, então, propósitos bem alinhados com o governador Ibaneis Rocha, apesar da distinção partidária. “Contudo, há uma contradição em termos pois o mesmo já disse em inúmeros discursos recentes que ‘se gasta muito em educação proporcionalmente até em relação aos países do primeiro mundo’. Isso é um problema porque se o presidente pretende militarizar a escola pública em geral e ao mesmo tempo oferecer um ensino de qualidade, os gastos com o ensino público básico no Brasil vão aumentar exponencialmente e não diminuir, como ele parece crer”, comenta Martins.

Assim, por mais que a militarização das escolas possa ter de fato, causado efeitos qualitativos em relação à educação e ensino em escolas públicas, ela não deve ser proclamada como a única solução existente para um problema estrutural e social muito maior. Além de que, como afirma o professor de Filosofia, sua forte doutrinação ideológica existente pode não ajudar a desenvolver no aluno uma autonomia intelectual, ética e crítica tão necessária para o contexto em que nos encontramos.

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